quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Sakamoto: Chove acima da média. Mas que média é essa?


Prestem atenção nessas duas frases que aparecem com freqüência na mídia:

Especialistas afirmam que, nas duas primeiras semanas de janeiro, já choveu mais do que a média do mês nos últimos anos.

Aqui, no Carnaval de Olinda, a festa não tem hora para acabar.

O que há de comum entre elas? Bem, não muito além do fato de que são figurinhas que se repetem com impressionante regularidade. Para o repórter que transmite a folia pernambucana, a frase, quase um mantra da alegria, é indolor. Já a outra, carrega, em seu bojo, duas tristezas: as consequências dos aguaceiros em si e a responsabilização da natureza por algo que a ação humana poderia certamente minimizar. Se choveu mais do que deveria, fica a impressão de que não daria para fazer nada, não é? Isso se, há muitos anos, já não fosse típico a realidade de chuvas atípicas em certas regiões do país.

Uma ironia que circula em redações nesses dias aquáticos é que, se todo o ano chove mais do que a média, alguém esqueceu de corrigir a média.

Sei que os cálculos não são tão simples e levam em conta séries históricas mais longas do que nosso humor cínico de jornalista pode compreender (e que são poucos os que, na imprensa, não apenas reproduzem o discurso de sempre e questionam a fonte). Mas isso tem o mérito de gerar alguns debates, por exemplo, sobre como a avaliação da realidade e a construção de saídas para resolver o problema vêm sendo tomadas. E, repito o que já falei antes, não estou falando de sistemas de alertas (até porque o governo federal já avisou que vai levar anos para fazer algo que já deveria ter feito há outros anos) e sim de políticas de habitação decente, saneamento, dragagem de rios, limpeza de vias, campanhas de conscientização quanto ao lixo…

Pois da mesma forma que, religiosamente, o bloco do Bacalhau do Batata vai percorrer Olinda na Quarta-Feira de Cinzas tocando frevo, janeiro será um mês de atenção e preocupação. Entre um governante otimista e um pessimista, fico com um realista, que tem o perfil mais próximo daquele que espera sempre o pior.

Falhas neste caso custam vidas e um “foi mal, aí, não tinha como antecipar” não resolve.Blog do Sakamoto.

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