Nestes últimos dias, enquanto centenas de bandidos eram presos, diversas crianças nasciam nos morros e favelas do Rio. Os primeiros serão adotados pelos governos ao custo médio de R$ 20.400,00 por ano. Os outros, serão abandonados pelos governos, nada receberão no começo; depois, não mais de R$ 2 mil anuais para sua educação que durará poucos anos em péssima qualidade. O Brasil gasta corretamente dinheiro para arrancar as ervas daninhas da sociedade, mas se nega estupidamente a gastar o dinheiro necessário para fazer florescer as flores que são as nossas crianças.
É tão óbvio o absurdo de adotar bandidos e não adotar também os recém-nascidos que é preciso perguntar o que leva uma sociedade a agir dessa maneira. Uma explicação é a maneira superficial como o Brasil considera os problemas na medida em que eles são visíveis: os bandidos são problemas visíveis, as crianças não atacam, não promovem motim, não votam. Por isso, prisões fazem falta, escolas não.
Além de injusto, isto é estúpido porque perdemos o potencial que há dentro de cada criança e corremos o risco de alguns serem levados, por necessidade, à criminalidade no futuro.
Esta aversão às mudanças estruturais e a preferência pelo jeitinho, tem a ver com a histórica característica de uma sociedade atávica e violenta, que defende privilégios graças a uma violência invisível contra os índios e os escravos, contra homens com fome do outro lado da cerca. Vê-se a violência do esfomeado sem trabalho, não a violência da exclusão ao direito de trabalhar na terra improdutiva.
Na luta contra a violência, prefere-se o jeitinho da superficialidade de prender os “violentos” do outro lado da cerca, ao invés de derrubar a cerca para fechar a fábrica de violência. Usa-se o que é preciso hoje, sem cuidar do amanhã. Para hoje, os policiais, para amanhã os professores; para hoje as balas, para amanhã os computadores; para hoje mais cadeias, para amanhã mais escolas; para hoje adotar bandidos, para um dia talvez adotar também crianças. O que é para construir o amanhã fica para amanhã.
E para justificar esta preferência suicida, preferimos não ver toda a violência. Vemos a violência dos bandidos que deve ser impedida com cadeias, não a da exclusão das crianças que nascem no mesmo momento, precisando de escolas. Não vemos as violências invisíveis para podermos ver apenas a violência visível.
A tomada dos morros das mãos dos bandidos é uma condição imediata necessária. Obstante, é apenas um jeitinho passageiro, que não trará a paz. Livrará a sociedade dos bandidos, inclusive os pobres dos morros, que vivem ao lado do tráfico, perdendo seus filhos, sem inclui-los no mundo da paz e sem protegê-los contra as violências escondidas na invisibilidade. Assim, as violências históricas continuam sendo praticadas como, por exemplo, a mãe de todas as desigualdades: a desigualdade na qualidade da escola e na qualidade da saúde.
O caminho é construir escolas, privilegiar e formar professores, fazer uma doce revolução pela educação. Além de cadeias para adotar as ervas daninhas com a máxima segurança, é preciso construir escolas iguais, com a máxima qualidade, em todos os morros, bairros e condomínios para adotar uma nova geração de crianças, nossas flores. Se a federalização da luta contra os bandidos é aceita, a federalização da revolução educacional também deve ser.
Porque quando todas as crianças tiverem a mesma escola, menos jovens cairão no crime e o futuro será disputado em condições iguais entre as flores dos morros e as flores dos condomínios fechados, combatendo uma lógica, também invisível, na aparente estupidez de adotar os bandidos e não adotar as crianças. Afinal, as ervas daninhas são do presente, as flores apenas uma hipótese para o futuro.
Cristovam Buarque é professor e senador (PDT/DF)
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